Em 2004 os Centros de Educação Infantil do
Município de São Paulo passaram a fazer parte da Secretaria da Educação sendo
antes da Assistência e Bem- Estar Social. Com a mudança a Prefeitura do
Município de São Paulo abriu concurso para PDI sendo um dos requisitos para os
candidatos a graduação em pedagogia.
Aprovada no referido concurso assumi como
Professora de Desenvolvimento Infantil em uma unidade de CEI da Prefeitura do
Município de São Paulo desejosa de fazer um excelente trabalho. Ao conhecer a
unidade e as crianças percebi que não sabia o que fazer. Queria “ensinar”, mas
eles não entendiam o que eu falava. Descobri que eu não os entendia, não os
conhecia e que toda a experiência acumulada em muitos anos de regência no
Ensino Fundamental I de pouco servia.
Com o apoio da administração da Unidade
iniciamos a formação continuada na escola e em diversos cursos onde fomos
construindo concepção de criança e do trabalho a ser desenvolvido na Educação
Infantil.
Durante as reuniões com nossas colegas muitas
vezes surgia o questionamento: como cuidar e educar crianças de zero a três
anos se o cuidar exige muito dos educadores? Como deve ser o trabalho
pedagógico a ser desenvolvido com estas crianças?
Busco nesta pesquisa responder estes
questionamentos onde o “educar” vai além do pensamento do brincar espontâneo da
criança e do olhar observador do professor e a necessidade de um currículo para
a Educação Infantil de zero a três anos baseado no letramento nas múltiplas
linguagens: qual é o papel do professor no processo? O que fazer para
proporcionar aprendizagem para as crianças pequenas? Como estruturar um
currículo baseado no letramento nas múltiplas linguagens para crianças de zero
a três anos?
O objetivo geral desta pesquisa é compreender
como as crianças pequenas se desenvolvem dentro do processo de letramento nas
múltiplas linguagens e suas vantagens para sua escolaridade futura buscando
relacionar brinquedos, brincadeiras, interação e mediação como processo
educativo dentro do letramento nas múltiplas linguagens e Estabelecer relações
entre letramento, múltiplas linguagens e cuidar na Educação Infantil e o papel
do professor. Fundamentar-se-á em fontes bibliográficas com abordagem
qualitativa.
A educação infantil é a primeira etapa da
educação básica e tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até
seis anos de idade e segundo o Referencial Curricular Nacional Para A Educação
Infantil (Brasil, 2008) sua prática deve se organizar de modo que desenvolvam
programas e projetos curriculares onde as crianças desenvolvam algumas
capacidades elencadas no volume 1p. 63:
“A prática da educação infantil deve se
organizar de modo que as crianças desenvolvam as seguintes capacidades:
...
·
Utilizar
as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita)
ajustadas às diferentes intenções e situações de comunicação, de forma a
compreender e ser compreendido, expressar suas idéias, sentimentos,
necessidades e desejos e avançar no seu processo de construção de significados,
enriquecendo cada vez mais sua capacidade expressiva.
Para
o desenvolvimento integral das crianças é fundamental o uso das diversas
linguagens no currículo a ser trabalhado com as crianças de zero a três anos.
Moyles,(2006)
defende o letramento nas múltiplas linguagens da criança durante o brincar,
pois o mesmo é à base do desenvolvimento das crianças nesta faixa etária.
Os
documentos oficiais e diversos autores defendem a elaboração de um currículo
baseado no letramento nas múltiplas linguagens, na forma de programas e
projetos cuja principal ferramenta seja o brincar da criança.
Muitos
debates surgem dentro desta temática com uma busca incessante por parte de
professores de educação infantil em elaborar programas que atendam as
diretrizes e pareceres dos documentos oficiais e também nas propostas dos
diversos autores-pesquisadores. Porém esbarram nas dificuldades do cotidiano,
onde o cuidar é indissociável do educar, ficando ambos a cargo do professor de
educação infantil.
O
documento Orientações Curriculares – Expectativas de Aprendizagens e
Orientações Didáticas, p.19 afirma que:
Compreende-se
hoje que cuidar da criança é atender suas necessidades físicas oferecendo-lhe
condições de se sentir confortável em relação ao sono, à fome, à sede, à
higiene, à dor, etc. Cuidar inclui acolher, garantir a segurança e alimentar a
curiosidade e expressividades infantis. Nesse sentido, cuidar é educar, dar
condições para as crianças explorarem o ambiente, construírem sentidos
pessoais, à medida que vão se constituindo como sujeitos e se apropriando de
modo único das formas culturais de agir, sentir e pensar... Portanto, cuidar e
educar são dimensões indissociáveis de todas as ações do educador.”
Na
citação acima destacamos a importância de alimentar a curiosidade das crianças,
construírem sentidos pessoais à medida que vão construindo sua identidade e se
“apropriando de modo único das formas culturais de agir, sentir e pensar.
Com
as divergências de pensamentos e concepções por parte dos educadores, falta
direcionamento em muitas instituições e em outras uma formalidade excessiva que
impõe um currículo rígido centrado na alfabetização, então a importância de
definir um currículo para a Educação Infantil de zero a três anos onde as
múltiplas linguagens são estimuladas, integradas ao brincar da criança para que
o seu desenvolvimento integral seja alcançado.
O
trabalho foi desenvolvido em três capítulos:
O
primeiro capítulo - A criança de 0 a 3 anos e suas múltiplas linguagens- Este
capítulo abordará algumas características das crianças desta idade e suas
múltiplas linguagens.
O segundo capítulo - O Professor Mediador
tratará da função do professor dentro do processo do letramento nas múltiplas
linguagens. É fundamental discutir e refletir sobre o papel do professor no
processo do letramento.
O terceiro e último capítulo – O
letramento e as Múltiplas linguagens – traz uma breve definição de letramento
na educação infantil nas múltiplas linguagens.
Que
esta pesquisa contribua para os debates reflexivos dos educadores da Educação
Infantil de zero a três anos.
CAPÍTULO
1
A CRIANÇA DE 0 A 3 ANOS E SUAS MÚLTIPLAS
LINGUAGENS
Compreender
o desenvolvimento infantil é fundamental para conhecer a criança, conhecimento
indispensável a um educador que trabalha com crianças pequenas. Para a
educação, um estudo fundamental, foi a Epistemologia Genética de Piaget. Piaget
estudou a inteligência e seu desenvolvimento utilizando a criança em seus
estudos pela rápida evolução que a mesma apresenta em seu desenvolvimento. Seus
estudos são utilizados até os dias atuais pelos estudiosos da infância.
Segundo
Raposo (2010), para Piaget a inteligência é adaptação e organização de esquemas
mentais e se torna mais complexa com o tempo e fatores como maturação,
experiência, interação social e equilibração interferem no desenvolvimento da
inteligência. Com seus estudos, Piaget construiu a teoria dos estágios.
Ramozzi-Chiarottino
(2006, p.17 apud Raposo, 2010, p.37) cita:
No
terreno da inteligência, diz textualmente Piaget, deve-se falar em estágios sob
as seguintes condições: 1) que a sucessão de condutas seja constante,
independentemente das acelerações ou dos atrasos que possam modificar as idades
cronológicas médias em função da experiência adquirida e do meio social; 2) que
a cada estagio seja definido, não apenas, por uma característica simplesmente
dominante, mas por uma estrutura de conjunto que caracterize todas as condutas
novas próprias dessa etapa; 3) que
essas estruturas sejam integradas, de tal modo que cada uma seja preparada pela
precedente e se integre na seguinte.
Para
Piaget os estágios são sucessivos, pessoais e fixos. Todas as crianças passam
pelos estágios, na seqüência dos mesmos, sem pular etapas, mas cada um com seu
ritmo de desenvolvimento dependendo de suas vivências.
Piaget
definiu as fases em período sensório-motor (0-2 anos), pré-operacional (2 a 7
anos), operações concretas (7-11 anos) e operações formais (12 anos em diante).
Por
motivo de este estudo referir-se à primeira infância, de zero a três anos,
aprofundar-se-á somente os estudos sobre as características do período
sensório-motor e pré-operacional.
O
período sensório-motor tem inicio com o nascimento da criança e vai até os dois
anos de idade. A criança inicia seu conhecimento de mundo através de suas ações
e percepções, usando seu corpo e seus sentidos: olfato, paladar, visão, tato e
audição.
No
período sensório-motor a criança descobre o objeto e a noção de causalidade,
inicia a construção de sua identidade com a percepção do eu (forma a imagem
corporal e percebe-se como alguém separado de sua mãe e do mundo). Também
começa a ter a noção de permanência. E um período de grande evolução física e
biológica. A criança passa de movimentos involuntários para movimentos
voluntários, modifica posição do corpo, inicia a locomoção. É um período de
maturação constante do sistema nervoso central da criança.
No
período pré-operacional, que vai dos dois aos sete anos de idade, a
inteligência ainda está relacionada às vivências imediatas da criança. Neste
estágio a criança está em pleno processo de construção dos esquemas corporal,
desenvolve a orientação espacial e temporal, estrutura idéias e inicia a
capacidade de representação, podendo então construir a linguagem. Seu
pensamento está relacionado com a ação. Nesta fase a criança também inicia os
esquemas simbólicos.
Bassedas
(1999, p39) afirma que:
A
função simbólica, através da qual a criança é capaz de evocar um objeto ou adivinhar
o que não está presente por meio de um sistema de representação. O acesso às
palavras significa conseguir iniciar o domínio do sistema de representação mais
potente que o ser humano tem e que será útil para ter acesso a um conhecimento
maior do mundo das pessoas adultas.
No
período pré-operatório as crianças têm capacidade de resolver problemas e
organizar a realidade. Iniciam um processo de desenvolvimento de sua
independência e autonomia, desenvolvem a capacidade de reversibilidade, são
egocêntricas e desenvolvem progressivamente sua identidade pessoal. Sua forma
de comunicação preferida é a linguagem verbal que dos dois aos quatros anos se
desenvolve bastante, sendo muito compreensível aos adultos.
Vygotsky,
com sua Teoria Histórico-Cultural, contribuiu para ampliar a compreensão do
desenvolvimento. Conclui que o
desenvolvimento é social e se dá de forma interpessoal e depois intrapessoal e
que desenvolver “é transformar os fenômenos mentais inferiores em superiores,
pelas relações sociais.” (Raposo, 2010, p. 57). O conceito mais importante
desenvolvido por ele é a teoria da zona de desenvolvimento proximal, que define
como:
A
distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar por
meio da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento
potencial, determinado por meio da solução de problemas sob a orientação de um
adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (Vygotsky, 1995, p. 97
apud Raposo, 2010, p. 57)
A criança então em franco
desenvolvimento pode atingir um desenvolvimento potencial partindo das
interações que estabelecer com seus pares e adultos.
O estudo de Henri Wallon amplia o
conhecimento que existia sobre o desenvolvimento infantil. Construiu a teoria
da Psicogênese da Pessoa Completa, onde o movimento, as emoções, a inteligência
e a noção do eu ou de pessoa são os processos que influem no desenvolvimento da
pessoa, processo de contínua transformação.
Wallon estabeleceu um processo de
desenvolvimento em 5 estágios, pois acreditava ser um processo descontínuo, que
a ruptura exigia a mudança, segundo Raposo (2010).
O estágio impulsivo- emocional:
próprio do primeiro ano de vida com predomínio da emoção.
O segundo estágio é o sensório-motor
ou projetivo (1 a 3 anos), apresenta o desenvolvimento cognitivo como fator
principal. O desenvolvimento da linguagem e da motricidade são as alavancas
para desenvolvimento nesta fase.
A fase dos 3 aos 6 anos é denominada
de personalismo, onde a característica marcante é a emoção e a construção da
identidade.
Os estágios categorial (6 a 12 anos)
e o estágio predominância funcional (adolescência) completam os estágios de
Wallon.
Segundo Raposo (2010) Wallon
defendia uma educação com onde fossem considerados: os quatro campos funcionais
(corpo, mente, emoção e consciência de si), o lúdico, o espaço, os conflitos, o
movimento e as emoções.
Com
os estudos de Piaget, Vygotsk e Wallon conclui-se que criança usa todo o seu corpo e seus sentidos
para explorar o mundo e comunicar-se com os que estão a sua volta. Então
pode-se dizer que desde que a criança nasce, utiliza múltiplas linguagens para
comunicar-se e interagir com o meio e com os seres que estão a sua volta. Neste
caso, considera-se linguagem como a definição apresentada no dicionário Aurélio
(1986) como sendo “tudo quanto serve para expressar idéias, sentimentos, modos
de comportamento, etc. e que exclui o uso da linguagem.” Ou seja, que exclui a
linguagem falada, articulada.
Para
Gardner (1995, p.31), a inteligência não é uma e sim, acredita ele, que “todos
os seres humanos possuem certas capacidades essenciais em cada uma das
inteligências.” Enfatiza a capacidade de resolver problemas e de elaborar
produtos.
Na
sua teoria das múltiplas inteligências, Gardner elencou sete inteligências: a
inteligência musical, a inteligência corporal-cinestésica, a inteligência
lógico-matemática, a inteligência lingüística, a inteligência espacial, a
inteligência interpessoal e a inteligência intrapessoal.
Tanto
Piaget, Vygotsk, Wallon e Gardner afirmam que embora o desenvolvimento da
inteligência tenha sua parte genética, ela é desenvolvida através da interação
com os pares que é o meio é fundamental no processo de desenvolvimento da
inteligência e da linguagem.
Mantovanini
(2001, p. 40 apud Raposo 2010, p.45) afirma que;
A
teoria piagetiana é interacionista, pois é mediante a interação dos indivíduos
com o meio que as estruturas mentais se formam e se desenvolvem. Tais
estruturas não são inatas (dadas a priori).
Será, justamente, por meio das interações entre o sujeito e o meio social que
elas poderão se desenvolver.
Piaget
adverte para o fato de que processos que obedecem a uma ordem constante de
desenvolvimento (como, por exemplo, os estágios de desenvolvimento intelectual)
dependem, simultaneamente, da maturação e da transmissão externa ou educativa.
Oliveira (2001, p. 56 apud Raposo, 2010 p. 59)
explica a teoria do desenvolvimento de Vygotsk:
Existe
um percurso do desenvolvimento, em parte definido pelo processo de maturação do
organismo individual, pertencente à espécie humana, mas é o aprendizado que
possibilita o despertar de processos internos de desenvolvimento que, não fosse
o contato do indivíduo com certo ambiente cultural, não ocorreriam.
Segundo Raposo (2010, p. 71) Wallon
defendia que “os conflitos fazem parte da interação humana” e que os mesmos
são essenciais para mudanças pois mexem
com as emoções e idéias.
Os estudos comprovam a importância
das primeiras experiências, as primeiras vivências e descobertas bem como a
interação com pares e adultos para o desenvolvimento completo da criança.
Tendo
em vista a importância das experiências da primeira infância, entre outros
fatores como a maior demanda de mulheres no mercado de trabalho e novas
constituições familiares, a Educação Infantil passa a fazer parte da pasta da
Educação no Brasil, integrando a Educação Básica.
A
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei no 9.394,
promulgada em dezembro de 1996, “estabelece de forma incisiva o vínculo entre
entre o atendimento às crianças de zero a seis anos e a educação” (RCNEI,
1998), passando então a ser direito da criança freqüentar as creches e
pré-escolas.
TÍTULO
III, art. 4o
IV-
atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos
de idade;
TITULO
V, Capítulo II, seção II, art. 29
A
educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o
desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos
físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e
da comunidade.
A
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional confere à criança de zero a três
anos o direito a uma educação formal onde será desenvolvido um trabalho de
respeito as suas múltiplas linguagens como afirma os documentos oficiais do
governo.
O
Referencial Curricular Nacional Para A Educação Infantil (1998, p. 63 v.1) traz
como um dos objetivos gerais da educação infantil:
Utilizar
as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita)
ajustadas às diferentes intenções e situações de comunicação, de forma a
compreender e ser compreendido, expressar suas idéias, sentimentos,
necessidades e desejos e avançar no seu processo de construção de significados,
enriquecendo cada vez mais sua capacidade expressiva.
Os
Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil, volume 2, p. 40
traz como um dos parâmetros de qualidade para a Educação Infantil nas
instituições, se os professores e demais funcionários:
Organizam
atividades nas quais bebês e crianças desenvolvam a imaginação, curiosidade e a
capacidade de expressão em suas múltiplas linguagens (linguagem dos gestos, do
corpo, plástica, verbal, musical, escrita, virtual);
Portanto,
fica claro, que a criança nasce com um potencial e o mesmo será desenvolvido
através das interações com os adultos de seu relacionamento e com seus pares e
que utiliza múltiplas linguagens para expressar-se, tendo o direito de receber
uma educação que valorize e amplie suas linguagens.
.
CAPÍTULO
2
O
PROFESSOR MEDIADOR
A
educação infantil em instituições públicas é um direito garantido por lei à
criança desde seu nascimento até completar seis anos de idade. A criança nesta
faixa etária está em franca evolução física, biológica, cognitiva e psíquica e
quanto mais vivências estimuladoras maior será o seu desenvolvimento integral
de acordo com seu ritmo individual.
Para
atender às crianças de zero a três anos as instituições de educação infantil
devem contratar professores formados em pedagogia ou normal superior na
proporção de um professor para cada 6 a 8 crianças de zero a dois anos; um
professor para cada 15 crianças de 3 anos e um professor para cada 20 crianças
de 4 anos. (Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação infantil, v.2 p.
36)
A
ação educacional desenvolvida com as crianças pequenas envolve o cuidar e o
educar, que são dimensões indissociáveis. O documento Orientações Curriculares
– Expectativas de Aprendizagens e Orientações Didáticas, DOT/SME São Paulo,
2007, p. 19 diz:
Compreende—se
hoje que o cuidar da criança é atender suas necessidades físicas oferecendo-lhe
condições de se sentir confortável em relação ao sono, à fome, à sede, à
higiene, à dor, etc. Mas não apenas isto. Cuidar inclui acolher, garantir a
segurança e alimentar a curiosidade e expressividades infantis. Nesse sentido,
cuidar é educar, dar condições para as crianças explorarem o ambiente e
construírem sentidos pessoais, à medida que vão se constituindo como sujeitos e
se apropriando de modo único das formas culturais de agir, sentir e pensar.
(...) Portanto, cuidar e educar são dimensões indissociáveis de todas as ações
do educador.
O Professor de educação infantil tem
duas funções básicas. Cuidar e educar a criança que entra na instituição.
Como professor na função de cuidar,
deve prover as necessidades físicas da criança: mantê-la limpa, segura,
confortável, alimentá-la e garantir seu descanso respeitando seu horário de
sono. Na função de educador deverá garantir experiências que promovam o
desenvolvimento integral da criança.
Como
garantir o desenvolvimento integral da criança? Qual é o real papel do
professor? Ele é só um observador do brincar da criança? Ou ele deve “ensinar”
preparando-a para o ensino fundamental?
O professor tem um papel ativo na
educação dos pequenos infantes. Como afirma Raposo (2010, p. 58) “a tarefa dos
professores é aproveitar esse desenvolvimento real para promover os
potenciais”.
O
professor não é um observador passivo do brincar da criança e um cuidador de
suas necessidades físicas. Ele é um parceiro neste brincar da criança, um
mediador do seu desenvolvimento.
Segundo Moyles (2006) professor- mediador tem
um papel fundamental no brincar da criança ao ajudá-las a desenvolver o seu
brincar organizando espaços e materiais, estimulando-as com desafios ao brincar
com elas.
DeVries(2004)
afirma que um professor: “pode aumentar o valor de uma atividade por meio de
intervenções que ampliem o interesse das crianças, a exploração e a
experimentaçao, ajudando-as a verem novas possibilidades no que estão fazendo.”
Além
das intervenções no espaço e no brincar, o professor interage com as crianças e
intervem quando surge algum conflito com o intuito de desenvolver na criança a
capacidade de solucionar problemas.
O
Referencial Curricular Nacional Para a Educação Infantil (Brasil, 1998, v.2, p.
43) afirma que:
A
ação do professor de educação infantil, como mediador das relações entre as
crianças e os diversos universos sociais nos quais elas interagem, possibilita
a criação de condições para que elas possam gradativamente desenvolver
capacidades ligadas à tomada de decisões, à construção de regras, à cooperação,
à solidariedade, ao diálogo, ao respeito a si mesmas e ao outro, assim como
desenvolver sentimentos de justiça e ações de cuidado para consigo e para com
os outros.
Portanto,
o professor media as relações de conflito auxiliando as crianças a
desenvolverem sua autonomia moral.
Em
Orientações Curriculares- Expectativas de aprendizagens e Orientações Didáticas
(DOT/SME, São Paulo, 200pp. 23,24):
A
mediação do professor se faz à medida que suas ações buscam familiarizar a
criança com significações historicamente elaboradas para orientar o agir das
pessoas e compreender as situações e os elementos do mundo. Ele age de uma
forma indireta, pelo arranjo do contexto de aprendizagem das crianças: os
espaços, os objetos, os horários, os agrupamentos infantis. O professor atua de
modo direto conforme interage com as crianças e lhes apresenta modelos,
responde ao que elas perguntam, faz perguntas para conhecer suas respostas, as
pega no colo quando se emocionam e, por vezes, opõe-se ao que elas estabelecem
para ajudá-las a ampliar seu olhar, ensinar as regras sociais de seu grupo
social ou aperfeiçoar seu modo de sentir as situações.
...
as atitudes do professor podem ser chamadas de ações de ensino, ações que
apontam significados que têm que interagir com as ações (e os significados) das
crianças. Daí a importância do professor centrar o seu olhar na criança e vê-la
como parceira ativa, dona de um modo próprio de significar o mundo e a si
mesma.
O
papel do professor como mediador do processo de aprendizagem é fundamental para
o desenvolvimento integral da criança. Organizar os espaços e o material de
forma a facilitar e estimular o seu brincar, interagir com ela ampliando seu
repertório e lançando desafios e mediando conflitos faz parte da função de
educar do professor. Isto somente será possível se o professor tiver o seu
olhar voltado para a criança como protagonista também deste processo. Moyles, (2006) afirma que “ver as crianças
como pessoas é o pondo de partida para decidir como ensiná-las.
Para
mediar o professor deve observar a criança, não de forma passiva como já visto,
mas sim, de forma participativa. Observar para conhecer a criança, seus
interesses e seu brincar. Observar para
registrar e avaliar o processo que a criança está vivenciando e modificar o
ambiente para auxiliar o seu desenvolvimento.
BlenKin
e Whitehead (1998 apud Moyles,, 2006) definem
três tipos de habilidades profissionais necessárias para observar as crianças
de forma eficaz:
·
Compreensão
da criança e de seu desenvolvimento em um contexto educacional (p. 60)
·
Competência
profissional enraizada em um entendimento teórico de questões educacionais
(p.60).
·
O
conhecimento-conteúdo a ser compartilhado com a criança (p.57).
O
conhecimento teórico sobre o desenvolvimento infantil e sobre a educação
infantil e seus conteúdos e objetivos é primordial para o professor desenvolver
um processo de observação e documentação sobre a criança, seu brincar e todo o
processo da mediação.
Para
Moyles (2006) a observação possibilita acompanhar o progresso de cada criança e
se o planejamento do professor bem como suas intervenções “estão contribuindo
para a qualidade de aprendizagem de todas as crianças.”
Também
acrescenta que a partir da observação da criança deve ser elaborado o
currículo. Moyles (2006) afirma que:
A
observação deve ser fonte dinâmica do desenvolvimento do currículo nos
primeiros anos – é virtualmente impossível fazer uma provisão educacional
apropriada sem tais dados. Além disso, os profissionais precisam,
evidentemente, justificar o que fazem com as crianças pequenas e apresentar
evidências (por meio do monitoramento e avaliação das crianças) de que elas
estão ampliando e desenvolvendo a aprendizagem de uma maneira equilibrada e
rigorosa.
Chama
a atenção sobre o fato de ser a observação do professor fundamental para o
desenvolvimento do currículo e que os professores precisam justificar o que
fazem apresentando evidências do seu trabalho e da evolução na aprendizagem da
criança.
Nota-se
a importância do papel do professor em todo o processo do desenvolvimento da
criança de zero a três anos, observando e avaliando-a em seu brincar, coletando
dados e interagindo em todo o processo de forma ativa, como protagonista junto
com a criança na construção das vivências de aprendizagem e na construção e
modificação do currículo da educação infantil.
Fica
claro que o professor deve cuidar e educar a criança, sendo estas dimensões
indissociáveis. Que o professor tem a função de mediador no desenvolvimento da
criança e que a mediação deve ocorrer após observação cuidadosa da criança;
deve ser feito registros para coletar dados, construir e alterar o currículo,
avaliar e evidenciar o progresso da criança.
Deve
cuidar para interagir com a criança de forma a ampliar seu desenvolvimento
cuidando para não fazer intervenções que prejudiquem a criança que está em
franco desenvolvimento do seu ser, mas que ampliem seu repertório, seu
conhecimento e desenvolvimento.
CAPÍTULO
3
O
LETRAMENTO E AS MÚLTIPLAS LINGUAGENS
- A
Criança e o brincar
Sempre
que o assunto referir-se às crianças é importante refletir sobre a sua
ludicidade. As crianças são por natureza um ser lúdico onde o brincar faz parte
de sua essência.
Segundo
Smith (2006, p.25) brincar é característico das crianças dos dois aos seis anos
e diz que “o comportamento de brincar é uma maneira útil de a criança adquirir
habilidades desenvolvimentais – sociais, intelectuais, criativas e físicas.”
Portanto a criança se desenvolve integralmente enquanto brinca.
Dantas
(2008), afirma que na “concepção walloniana, infantil é sinônimo de lúdico” e
continua dizendo que “em certo sentido, pode-se dizer que toda motricidade
infantil é lúdica, marcada por uma expressividade que supera de longe a
instrumentalidade.” Portanto as crianças se expressam com seus movimentos e o
seu brincar.
Froebel (1912 apud Kishimoto, 2008,
p.68) considerava a brincadeira a fase mais importante da infância. Afirmava:
Brincar é a fase mais
importante da infância – do desenvolvimento humano neste período – por ser a
auto-ativa representação do interno – a representação de necessidades e
impulsos internos.
[...]
A criança que brinca
sempre, com determinação auto-ativa, perseverando, esquecendo sua fadiga
física, pode certamente tornar-se um homem determinado, capaz de
auto-sacrifício para a promoção do seu bem-estar e de outros [...] como sempre
indicamos o brincar em qualquer tempo não é trivial, é altamente sério e de
profunda significação.
Para Froebel, não só o brincar é
essencial no desenvolvimento das crianças, pois brincando as crianças
representam suas necessidades e impulsos internos, mas também as tornam seres
humanos mais determinados e autônomos.
Kishimoto (2008, p.99) argumenta que
as crianças brincam a maior parte do tempo com brincadeiras e jogos que
aprendem com pares e adultos e que através do brincar, compreendem o mundo em
que vivem. Afirma a autora:
Por certo, grande
parte da vida das crianças é gasta brincando, quer com jogos que elas aprendem
com as crianças mais velhas, quer com aqueles inventados por elas mesmas. Toda
criança pequena gosta de brincar de casinha, de médico, de soldado e Dewey
atribui o prazer nessas brincadeiras à necessidade que a criança tem de
torna-se óbvio na medida em que eles ensinam as crianças a respeito do mundo em
que vivem.
Através dos jogos
simbólicos as crianças compreendem o mundo em que vivem.
Brincando
as crianças são livres para se expressarem, como afirma o documento Orientações
Curriculares (São Paulo, 2007): “é o principal modo de expressão da infância, a
ferramenta por excelência para a criança aprender a viver, revolucionar seu
desenvolvimento e criar cultura”.
Brincando
as crianças expressam seus sentimentos, pensamentos e idéias livremente,
desenvolvendo também sua identidade pessoal ao se relacionarem com outras
crianças ou adultos em seu brincar. O RCNEI (1998, p. 22) diz:
Brincar
é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento da identidade e da
autonomia. O fato de a criança, desde muito cedo, poder se comunicar por meio
de gestos, sons e mais tarde representar determinado papel na brincadeira faz
com que ela desenvolva sua imaginação. Nas brincadeiras as crianças podem
desenvolver algumas capacidades importantes, tais como a atenção, a imitação, a
memória, a imaginação. Amadurecem também algumas capacidades de socialização,
por meio da interação e da utilização e experimentação de regras e papéis
sociais.
Desde
o brincar espontâneo das crianças ao brincar mais estruturado o desenvolvimento
infantil ocorre em sua integralidade e é um dos objetivos gerais da educação
infantil, como afirma o RCNEI (1998, v.1, p.63):
“A
prática da educação infantil deve se organizar de modo que as crianças
desenvolvam as seguintes capacidades: - brincar, expressando emoções,
sentimentos, pensamentos, desejos e necessidades.
Sendo
a criança um ser lúdico por natureza, o brincar um processo histórico de
produção cultural e o ser humano social, falar em educação infantil é falar em
currículo centrado no brincar da criança, com a mediação do adulto.
- Currículo
na educação infantil
Integrar
a aprendizagem no brincar das crianças é a maneira eficaz de estimular o
potencial da criança. Kishimoto (2008, p. 151) afirma que:
A
brincadeira tem um papel preponderante na perspectiva de uma aprendizagem
exploratória, ao favorecer a conduta divergente, a busca de alternativas não
usuais, integrando o pensamento intuitivo. Brincadeiras com o auxílio do
adulto, em situações estruturadas, mas que permitam a ação motivada e iniciada
pelo aprendiz de qualquer idade parecem estratégias adequadas para os que
acreditam no potencial do ser humano para descobrir, relacionar e buscar
soluções.
Brincando as crianças usam meios
diversos para solucionar as dificuldades que vão surgindo e desenvolvendo seu
potencial. Ainda, segundo Kishimoto (2008, p. 146), “em situações de
brincadeira a criança desenvolve a intencionalidade e a inteligência”.
Ao
brincar as crianças usam toda a sua imaginação, sua inteligência, suas diversas
formas de se expressar e comunicar e ao formular o currículo dever-se-á levar
tal fato em conta.
Arruda
(2010, p.26) afirma que “o currículo para a Educação da Infância deve ser
interdisciplinaridade e permeado pela ludicidade, respeitando-se as
especificidades do contexto social que participam”. Portanto, para a autora o currículo deve
respeitar o direito da criança de brincar observando o contexto social em que
ela vive.
O
currículo deve ser pensado para proporcionar às crianças desafios para seu
desenvolvimento como afirma Smith (2006, p.30):
Argumenta-se
que os educadores têm um papel chave a desempenhar: ajudar as crianças a
desenvolver o seu brincar. O adulto pode, por assim dizer, estimular, encorajar
ou desafiar a criança de formas mais desenvolvidas e maduras.
Pode-se concluir então que as
crianças se desenvolvem ao brincar em todos os aspectos e é necessário pensar
em um currículo que valorize suas características infantis e proporcione
desafios para auxiliar seu desenvolvimento.
A criança, além da sua ludicidade, é
também social, vive em um ambiente cultural e protagoniza a cultura,
transformando e criando cultura. O documento Orientações Curriculares (São
Paulo, p.54) afirma:
Estudos
feitos na Antropologia, Sociologia, Psicologia, Lingüística e outras áreas do
conhecimento [...] têm ainda revelado que a brincadeira é uma atividade que
evolui com a transformação sócio-histórica das comunidades humanas e continua a
se modificar nas condições concretas de vida das populações, em particular da
população infantil em nossa sociedade. [...]
Brincar
é uma atividade aprendida na cultura que possibilita que as crianças se
constituam como sujeitos em um ambiente em contínua mudança, onde ocorre
constante recriação de significados, condição para a construção por elas de uma
cultura de pares, conjunto relativamente estável de rotinas, artefatos, valores
e interesses que as crianças produzem e partilham na interação com os
companheiros de idade. Ao brincar com eles, as crianças produzem ações em
contextos sócio-histórico-culturais concretos que asseguram a seus integrantes,
não só um conhecimento comum, mas a segurança de pertencer a um grupo e
partilhar da identidade que o mesmo confere a seus membros.
A brincadeira infantil faz parte da
cultura, se transforma com a mesma e também é aprendida.
Segundo Pacheco (2008, p. 100, in
Kishimoto, 2008 ) “a vida social da criança é à base do desenvolvimento
infantil e a escola deve dar oportunidade para exprimir em suas atividades a
vida em comunidade.
Interagindo e brincando as crianças
desenvolvem o que Gardner (1995, pp. 27 e 28) denomina inteligência
Interpessoal, que é a capacidade de relacionar-se com seus pares e adultos e a
Intrapessoal, que do conhecimento de si, dos seus sentimentos e potenciais.
Brincando as crianças aprendem a se
conhecer, desenvolvem sua autonomia e aprendem regras sociais na interação com
os pares e adultos.
Portanto
o currículo da educação infantil deve valorizar o brincar, o contexto
sócio-histórico-cultural das crianças, que na primeira infância estão em frança
evolução físico-bio-psico-social.
Dantas (2008, p.116 in Kishimoto,
2008) sugere introduzir cada atividade através do brincar. Segundo a autora:
A
sabedoria que é respeitar, em educação, a psicogênese, deveria levar a
introduzir cada nova atividade através de uma etapa lúdica. Brincar com
palavras, com letras, com o computador: manuseá-los livremente, ludicamente,
antes de dar a este manuseio um caráter instrumental.
[...]
Brincar
com a linguagem, usar a linguagem; brincar com o gesto, usar o gesto.
Pensar currículo em educação
infantil é antes de tudo levar em conta a psicogênese da criança, sua
ludicidade, seu contexto social e cultural tendo em vista seu desenvolvimento
integral.
O grande questionamento na
construção do currículo da educação infantil tem sido: Alfabetizar ou não as crianças
neste período escolar? Afinal, elas vão somente brincar? A grande preocupação
com a antecipação da alfabetização tem “forçado” muitas crianças a ficarem
sentadas por quatro horas ou mais recebendo um ensino formal que as “prepara”
para a alfabetização.
Sendo a criança um ser lúdico, de
múltiplas linguagens e em franca evolução bio-psico-social, mantê-las sentadas
em cadeiras, permanecendo por longo período de tempo em uma sala fechada com um
grande número de crianças, tendo seu processo de aprendizagem antecipado é ter
seu ser brutalmente violentado.
O currículo na educação infantil
deve proporcionar o letramento nas múltiplas linguagens da criança.
- Letramento
e as múltiplas linguagens
O letramento na educação infantil é
entendido por muitos como sendo a antecipação da alfabetização nesta fase.
KHEIMAN (2001, p.19 apud GALVÃO, 2010, P. 30) define letramento como “o
conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e
enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos”.
Sendo o letramento o uso social da
escrita, o letramento nas múltiplas linguagens trata do uso social das diversas
linguagens, de seus signos, símbolos e instrumentos.
Segundo Kishimoto (2008, p.148) “a
criança precisa saber brincar com o mundo com a mesma desenvoltura que
caracteriza a ação lúdica”. Pode-se entender neste caso brincar com as diversas
linguagens, com os diferentes conhecimentos sociais. A autora afirma ainda que
“o que faz a criança desenvolver seu poder combinatório não é a aprendizagem da
língua ou da forma de raciocinar, mas as oportunidades que tem de brincar com a
linguagem e com o pensamento”.
Portanto um currículo que valorize
as múltiplas linguagens e seu uso social deve ser construído para ser
desenvolvido nas instituições formais de educação infantil. Como afirma
Kishimoto (2008, p. 1500):
Possibilitar
que o ser humano desenvolva-se pelo movimento (enativos), pelo grafismo e
imagens mentais (icônico) e atinja o lógico-científico (simbólico) significa
respeitar suas formas de representação do mundo.
Para aprofundar a reflexão sobre as
múltiplas linguagens as mesmas serão divididas para estudo, mas ao desenvolver
o trabalho com as crianças as mesmas devem ser trabalhadas de forma
intradisciplinar.
O que primeiro caracteriza a criança
é o movimento. O documento Orientações Curriculares (São Paulo, 2007) afirma
que é na interação com os outros e com o mundo que a criança amplia suas
possibilidades de movimento. Que desenvolvendo sua motricidade a criança passa
a usá-la também como sistema compartilhado de símbolos, possibilitando a
expressão de um desejo, ou dos sentimentos por meio dos gestos.
O RCNEI (1998, v.3, p.15) diz que:
Ao
movimentarem-se, as crianças expressam sentimentos, emoções e pensamentos, ampliando
as possibilidades do uso significativo de gestos e posturas corporais. O
movimento humano, portanto é mais do que simples deslocamento do corpo no
espaço: constitui-se em uma linguagem que permite às crianças agirem sobre o
meio físico e atuarem sobre o ambiente humano, mobilizando as pessoas por meio
de seu teor expressivo.
Como confirma Dantas (2008, p. 114,
in Kishimoto):
Basta
observar cenas filmadas de refeição em creche para se constatar a diferença
entre o estilo motor adulto e o da criança de dois anos: Uma boa parte dos seus
gestos é pura expressão emocional, de alegria, animação ou tristeza, excitação
contagiante.
As crianças de zero a três anos usam
a linguagem corporal para se comunicar, aprender a cultura da sociedade na qual
está inserida e criar a própria cultura e o faz se divertindo, com prazer e é
na interação que a criança amplia seus movimentos. Como afirma o documento
Orientações Curriculares (São Paulo, 2007, p.61):
Embora
a criança já se movimente ao nascer, ela necessita percorrer um caminho de
aprendizagem na interação com os outros e com o mundo para ampliar suas
possibilidades de movimento, partindo de reações reflexas rumo ao domínio
intencional de um sistema complexo de coordenação de gestos e percepções.
Interagindo
com os pares e os adultos as crianças aprendem movimentos da cultura em que
vive e ampliam seu repertório de movimentos aprendendo a solucionar problemas
motores em seu cotidiano, como afirma Galvão (2011, p.76) “O saber se
movimentar, o aprender habilidades motoras permitem aos seres humanos se
adaptarem aos problemas do cotidiano, resolvendo problemas motores.”
Os
movimentos da criança expressa seus sentimentos e pensamentos são ampliados
através da aprendizagem e das interações sendo importantíssimo que suas vivências
lhes possibilitem o movimentar-se livremente tanto quanto o movimentar-se
dirigido. Como afirma o documento Orientações Curriculares (São Paulo, 2007,
p.68)
Todas
as situações que a criança vivencia as possibilidades de movimento do próprio
corpo, ajustando suas habilidades das quais participa, sejam brincadeiras,
atividades planejadas e propostas pelo professor, ou atividades cotidianas, são
oportunidades para que ela conheça e tome consciência das potencialidades e
limites do próprio corpo.
[...]
...Para
isso¸ as intervenções do professor e as interações com as outras crianças são
fundamentais.
O trabalho corporal reflete-se em
todo o trabalho desenvolvido nas demais linguagens e em todas as vivências da
criança. A linguagem artística como a dança e o ritmo estão intrinsecamente
interligados ao movimento da criança.
Segundo Galvão (2011, p.30) “é por
meio das linguagens do corpo, do movimento, das formas, das cores, dos sons que
o homem sempre se organizou, mostrando sua visão de mundo e questionando seu
lugar na sociedade.”
Portanto o ponto inicial do ser
humano é o movimento.
Para Martins, Picosque e Guerra
(apud Galvão, 2011, p. 30) “a criança olha, cheira, toca, ouve, se move,
experimenta, sente, pensa, desenha com o corpo, canta com o corpo, sorri com
todo o corpo, chora com todo o corpo. O corpo é ação/pensamento.”
O trabalho com crianças de zero a
três anos deve ser realizado visando o desenvolvimento da linguagem corporal,
pois a criança toma consciência de si como indivíduo desenvolvendo sua
identidade e autonomia.
Proporcionar às crianças a oportunidade de
brincar com expressões faciais, com gestos e imitações de posturas e movimentos
de outros indivíduos, dançar, explorar o espaço utilizando seu corpo e diversos
movimentos, ao aprender a conhecer seus limites corporais e as partes do seu
corpo, bem como o cuidado que deve ter com o mesmo é apresentar às mesmas a
cultura em que vivem, portanto iniciando o letramento na linguagem corporal.
O
RCNEI (Brasil, 1998, v.3, p.27) determina que o trabalho com as crianças de
zero a três anos deve se organizar de forma a desenvolver as seguintes
capacidades:
·
Familiarizar-se com a imagem do próprio
corpo;
·
explorar as possibilidades de gestos e
ritmos corporais para expressar-se nas brincadeiras e nas demais situações de
interação;
·
Deslocar-se com destreza progressiva no
espaço ao andar, correr, pular etc., desenvolvendo atitude de confiança nas
próprias capacidades motoras;
·
Explorar e utilizar os movimentos de
preensão, encaixe, lançamento etc., para o uso de objetos diversos.
Página
35
·
Exploração de diferentes posturas corporais,
como sentar-se em diferentes inclinações, deitar-se e diferentes posições,
ficar ereto apoiado na planta dos pés com e sem ajuda, etc.
·
Ampliação progressiva da destreza para
deslocar-se no espaço por meio da possibilidade constante de arrastar-se,
engatinhar, rolar, correr, saltar etc.
·
Aperfeiçoamento dos gestos relacionados com a
preensão, o encaixe, o traçado no desenho, o lançamento etc., por meio da experimentação
e utilização de suas habilidades manuais em diversas situações cotidianas.
Orienta
que as experiências devem ser propostas de forma lúdica, para que a criança
parta do instintivo para o movimento intencional, que traga novos desafios e
aperfeiçoamento das capacidades motoras.
A
linguagem musical está intrinsecamente ligada ao movimento, pois as crianças ao
entrarem em contato com a música imediatamente movimentam o corpo.
Bassedas,
(1999, p.84) elenca algumas capacidades que as crianças desenvolvem nessa área.
Conforme a autora as capacidades mais básicas são:
Estruturação do tempo: a criança trabalha
os ritmos (começar-parar, depressa-devagar, longo-curto), vivenciando-os
mediante danças, canções, etc.
Estruturação do
ouvido:
da capacidade de poder discriminar sons por meio da audição e progressivamente
ir entoando canções, ir reproduzindo sons e ruídos (instrumentos,
onomatopéias), etc.
Simbolização: através da
representação de traços pessoais, estados de ânimo, atitudes e jogos
simbólicos, nos quais a criança comporta-se e atua simulando e imitando
situações, fazendo “como se...”, etc.
A
linguagem musical na educação infantil inicia a criança no letramento musical
estimulando seus sentidos. De forma intuitiva as crianças exploram os sons dos
objetos e a interação com os adultos amplia seu repertório musical. Segundo o
RCNEI (Brasil, 1998, v.3, p.55) o trabalho com a música na educação infantil
com crianças de zero a três anos deve ser organizado de forma a desenvolver as
seguintes capacidades.
·
Ouvir,
perceber e discriminar eventos sonoros diversos, fontes sonoras e produções
musicais;
·
Brincar
com a música, imitar, inventar e reproduzir criações musicais.
O
letramento musical na educação infantil de zero a três anos deve propor
experiências onde as crianças tenham contato com objetos sonoros diversos para
brincarem, explorarem os mesmos em todas as suas potencialidades e ampliarem
suas possibilidades de criarem sons. O professor de educação infantil deve
proporcionar um ambiente com estímulos sonoros e objetos para as crianças
explorarem, cantar e apresentar às crianças diversos estilos musicais ampliando
seu repertório musical.
A
linguagem artística faz parte do desenvolvimento das crianças. Souza e Ferraz
(2006, p. 113 apud Galvão, 2011, p.31) dizem que:
A
infância é marcada por expressões artísticas muito fortes, nesse processo, a
criança já desenvolve atividades, ela “faz arte”, desenha, pinta, constrói
esculturas com areia, canta, dança quando está vendo um desenho animado na
televisão, toca instrumentos (bate panelas, bate com a colher quando está
comendo...), imagina e cria personagens etc. Todas estas manifestações são
potencialidades das expressões artísticas que não ocorrem na escola, e sim no
dia-a-dia da criança.
É
no dia-a-dia que a criança vive as linguagens artísticas, brincando de forma
livre e espontânea, usando sua criatividade para descobrir o mundo. O RCNEI
determina que as experiências de artes para as crianças de zero a três anos
devem garantir oportunidades para que as mesmas sejam capazes de:
·
Ampliar
o conhecimento de mundo que possuem, manipulando diferentes objetos e
materiais, explorando suas características, propriedades e possibilidades de
manuseio e entrando em contato com formas diversas de expressão artística;
·
Utilizar
diversos materiais gráficos e plásticos sobre diferentes superfícies para
ampliar suas possibilidades de expressão e comunicação.
Vivenciar, experimentar, ter contato com as
diversas formas artísticas e materiais plásticos e gráficos deve fazer parte de
um ambiente onde o letramento artístico faz parte do cotidiano das crianças.
Segundo documento Orientações Curriculares (2007, p.116) as
linguagens artísticas ampliam a sensibilidade das crianças e a capacidade de
lidar com os conteúdos da linguagem artística. Diz o documento que:
As linguagens
artísticas apóiam as crianças na ampliação de sua sensibilidade e capacidade de
lidar com os sons, ritmos, melodias, formas, cores, imagens, gestos, falas, e
com obras elaboradas por artistas e por elas mesmas, que emocionam e constituem
o ser humano.
Embora
a criança “seja a própria expressão da arte” enquanto se desenvolve o trabalho
intencional com a linguagem plástica contribui para ampliar o conhecimento
artístico da criança e desenvolve capacidades básicas, como identifica Bassedas
(1999, p. 85):
·
Formação de conceitos: a observação e a
análise da realidade servem para ampliar os conceitos. Por exemplo, se quiser
desenhar a minha rua, terei que prestar atenção se existem casas altas e
baixas, estreitas e amplas, etc.
·
Habilidade manual: são trabalhadas de
uma maneira significativa todas as habilidades manuais necessárias, desde a
precisão em fazer uma linha com um pincel até o relaxamento da mão para poder
pintar uma coisa sem cansar todo o corpo.
·
Imaginação e a
fantasia ativada:
não é uma capacidade que se trabalha somente através da plástica, mas essa o
permite de uma maneira bastante clara.
Quando
trabalhamos as linguagens artísticas, sejam a linguagem musical, plástica ou
cênica, a criatividade, a imaginação e a fantasia, as expressões corporais, a
criatividade da criança é estimulada e todo o processo desenvolvido por ela
deve ser valorizado.
O
desenvolvimento da Linguagem Verbal também é um grande marco no desenvolvimento
das crianças na primeira infância. Por volta de um ano de idade as para os
balbucios e então a comunicação através da linguagem oral.
Segundo
Bacias (1999, p.38) “O acesso às palavras significa conseguir iniciar o domínio
do sistema de representação mais potente que o ser humano tem e que lhe será
útil para ter acesso a um conhecimento maior do mundo das pessoas adultas.”
Através
da fala a criança passa a expressar seus desejos, pensamentos e a se apropriar
da cultura na qual está inserida de forma mais eficaz. Segundo Bacias (1999,
p.39) durante todo o processo de aquisição da linguagem verbal o papel do
adulto é servir de “andaime” para o processo cognitivo da criança. A autora
afirma ainda que “é objetivo da educação infantil que, ao final da etapa, as
crianças tenham os instrumentos de comunicação, expressão e representação
necessários para poderem compreender, criar e atuar no mundo que as envolve.”
A
linguagem verbal tem recebido grande atenção por parte dos educadores na
educação infantil, pois a interação dos adultos com as crianças ocorre principalmente
pela fala e a mesma é estimulada pelos adultos que com elas convivem. Bacias
(1999, p.77) afirma que quando, nas escolas de educação infantil, são
proporcionadas experiências em que a linguagem verbal é solicitada das
crianças, potencializa as seguintes capacidades:
·
Capacidade de
descentramento das situações imediatas, das pessoas e dos objetos não-presentes no
momento em que se fala ou escreve;
·
Capacidade de análise: a análise da
realidade permite fazer abstrações dos traços que caracterizam os objetos ou as
situações;
·
Capacidade de
generalização:
quando se analisa a realidade e externaliza-se os traços essenciais, podemos
chegar a uma generalização na formação nos conceitos e dar um nome aos
conceitos adquiridos.
·
Capacidade de uma
relação interpessoal:
quando as crianças falam, estabelecem comunicação com outras pessoas, vão
aprendendo a utilizar a palavra com as pessoas menos conhecidas.
Quanto
mais experiências com a linguagem verbal as crianças vivenciarem mais
desenvolvidas terão suas habilidades na elaboração da linguagem oral, ampliando
os contextos de comunicação, passando de atuações impulsivas para as atuações
mais elaboradas com intencionalidade e planejamento.
Quanto
à aprendizagem da linguagem escrita, existe um grande debate e diversas teorias
quanto à aprendizagem na educação infantil. Deve-se ou não ensinar a ler na
educação infantil? Como introduzir a linguagem escrita para as crianças menores
de três anos?
Bassedas
(1999, p.80) defende que se deve “apresentar a proposta para a criança
utilizá-la em situações que tenham sentido, falar e dar informações sobre a
língua escrita...”. Dessa forma a criança terá curiosidade despertada e as
experiências terão sentido.
Portanto
as crianças de zero a três anos devem ter a oportunidade de vivenciar
experiências com a linguagem escrita, pois as crianças desenvolvem a capacidade
de produzir textos muito antes de saber grafá-los da maneira convencional.
O
RCNEI (1998, v.3, p.131) determina que as práticas nas instituições de educação
infantil deverão ser organizadas de forma a desenvolver as seguintes
capacidades nas crianças:
·
Participar
de variadas situações de comunicação oral, para interagir e expressar desejos,
necessidades e sentimentos por meio da linguagem oral, contando suas vivências;
·
Interessar-se
pela leitura de histórias;
·
Familiarizar-se
aos poucos com a escrita por meio de participação em situações nas quais ela se
faz necessária e do contato cotidiano com livros, revistas, histórias em
quadrinhos etc.
Para
que a linguagem verbal seja desenvolvida, Moyles (2002, p.53) defende que as
crianças devem brincar com a linguagem, sobre a linguagem e por meio da
linguagem. Diz a autora:
As
crianças pequenas aprendem a linguagem: ás vezes mais de uma linguagem. Elas
também aprendem por meio da
linguagem. Mas elas também raciocinam e se comunicam com a linguagem. Nos primeiros anos, isso acontece mais no contexto
do brincar. A linguagem está intrinsica ligada aos processos de pensamento e ao
desenvolvimento das imagens mentais.
Para as crianças de zero a três anos
é fundamental um ambiente letrado, onde a linguagem oral e escrita faz parte do
seu brincar e da sua rotina. O RCNEI (Brasil, 1998, v.3, p.151) aborda a
questão do ambiente alfabetizador. Afirma que:
Diz-se
que um ambiente é alfabetizador quando promove um conjunto de situações de usos
reais de leitura e escrita nas quais as crianças têm a oportunidade de
participar. Se os adultos com quem as crianças convivem utilizam a escrita no
seu cotidiano e oferecem a elas a oportunidade de presenciar e participar de
diversos atos de leitura e escrita, elas podem, desde cedo, pensar sobre a
língua e seus usos, construindo idéias sobre como se lê e como se escreve.
[...]
...É
necessário considerar que expor as crianças às práticas de leitura e escrita
está relacionado com a oferta de oportunidades de participação em situações nas
quais a escrita e a leitura se façam necessárias, isto é, nas quais tenham uma
função real de expressão e comunicação.
A
experiência com textos variados e de diferentes gêneros é fundamental para a
constituição do ambiente de letramento.
Atualmente grande ênfase é dada a
linguagem verbal, aos movimentos corporais, a linguagem musical e as relações
que as crianças desenvolvem. As demais linguagens são muitas vezes negligenciadas
na rotina das instituições de educação infantil de zero a três anos.
A linguagem matemática faz parte do
cotidiano infantil, está presente em seu cotidiano. O documento Orientações
Curriculares (São Paulo, 2007, p. 106) afirma que o conhecimento matemático faz
parte da rotina de muitas crianças e “cabe, portanto, à educação infantil
estender, ampliar e aprofundar os conhecimentos matemáticos construídos pelas
crianças nas suas experiências fora da escola e torná-lo acessível a todos.” As
crianças pequenas são apresentadas à matemática desde que nascem, pois quando
vão ao médico são pesadas e medidas e ao conversar com as crianças falam em
como cresceram, brincadeiras e cantigas em que a contagem aparece, quando
iniciam a exploração de objetos etc.
Através da exploração de objetos,
dos jogos, das brincadeiras e buscando soluções para as situações-problemas que
surgem no brincar as crianças desenvolvem o raciocínio lógico-matemático.
Segundo Moyles (2002, p.76) o
brincar ativo da criança desenvolve habilidades na resolução de situação
problema. Afirma a autora:
A
possibilidade de brincar de forma intencional, livre e exploratória proporciona
à criança uma aprendizagem ativa por meio da qual as muitas “preliminares” do
ser capaz de compreender e resolver problemas são encontradas, tais como:
1.
A
oportunidade de identificar, reconhecer e entender as propriedades dos
materiais, e de compreender a natureza, a função e os atributos de objetos
conhecidos e desconhecidos, incluindo os táteis e os cinestésicos.
2.
Descobrir
e distinguir elementos e características semelhantes e diferentes, e combinar,
separar e classificar.
3.
Discutir
com o grupo de pares as suas explorações e aprender com e a partir de outras
crianças e adultos.
4.
Usar
e descrever coisas de diferentes maneiras.
5.
Representar
as coisas em diferentes formas e estruturas e observar e antecipar
transformações e mudanças.
6.
Juntar
coisas e separá-las.
7.
Arranjar
e rearranjar materiais dentro de um espaço dado e experienciar ordem e
seqüência.
8.
Aprender
sobre as próprias capacidades, preferências e desagrados.
9.
Aprender
a lidar com a frustração quando as coisas não acontecem conforme o planejado,
por exemplo, a torre de blocos cai, e aprender relações simples de causa e
efeito.
10.
Aprender que é necessário tempo para realizar
e completar uma tarefa ou chegar a um resultado desejado.
Proporcionar um ambiente de letramento
matemático no brincar da criança, nos jogos e na rotina diária é proporcionar
experiências ricas e com significados que despertam o gosto pelo ensino da matemática
aplicada no futuro.
Segundo o RCNEI (Brasil, 1998, v.3. p. 215) a
abordagem matemática na educação infantil para crianças de zero a três anos
deve proporcionar experiências e oportunidades para que as crianças desenvolvam
a capacidade de:
·
Estabelecer aproximação a algumas noções
matemáticas presentes no seu cotidiano, como contagem, relações espaciais etc.
A
reflexão sobre as experiências que serão apresentadas às crianças torna-se
necessária para que não seja exigido da criança conhecimentos além do seu
desenvolvimento. Smole, Diniz e Cândido (2000 apud Sandes, 2010, p.39)
apresentam algumas reflexões importantes acerca das atividades de matemática na
educação infantil:
1. Uma
proposta com Matemática para esse segmento da educação deverá encorajar a
exploração de um grande número de idéias não apenas numéricas, mas também
aquelas relativas à geometria, às medidas e às noções estatísticas, de forma
que as crianças desenvolvam e conservem com prazer uma curiosidade a respeito
da Matemática, adquirindo diferentes formas de perceber a realidade.
2. Uma
proposta desse tipo incorpora os contextos da vida real, as experiências e a
linguagem natural da criança no desenvolvimento das noções matemáticas, sem, no
entanto, esquecer que a escola deve fazer o aluno ir além do que parece saber,
tentando compreender como ele pensa, que informações trazem de sua experiência
no mundo e procedendo com interferências, a fim de levar cada aluno a ampliar
gradativamente suas noções matemáticas.
3. É
necessário, ainda, perceber que os alunos precisam de um tempo para desenvolver
conceitos e as idéias matemáticas exploradas pela escola e também para
acompanhar conexões lógicas de raciocínio e comunicar-se matematicamente. Nas
aulas de Matemática na Educação Infantil o contato constante e planejado com as
noções matemáticas em diferentes contextos, ao longo de um ano e de ano para
ano, é fundamental.
Portanto, a matemática para
crianças de zero a três anos na educação infantil deve fazer parte do seu
brincar, fazendo parte do seu ambiente e do planejamento do professor;
apresentar à criança os diversos conceitos matemáticos, aproveitando o
conhecimento que a criança traz e proporcionando descobertas de novos
conhecimentos. Quando falamos em educação infantil, falamos em experiências, vivências
e brincadeiras. Segundo Moyles (2006,
p.183):
A
matemática e o brincar são parceiros muito úteis. Se quisermos que as crianças
se tornem bons matemáticos, precisamos demonstrar para ela que a matemática é
divertida e útil e que pode ser uma atividade sociável e cooperativa, assim
como uma atividade tranqüila e individual. Também precisamos ter cuidado e
lembrar que o brincar não é apenas uma maneira de introduzir idéias simples. As
crianças estabelecerão desafios mais difíceis para si mesmas se dermos a elas o
controle de sua aprendizagem em vez de deixá-lo nas mãos dos adultos.
Enquanto explora objetos e procura
soluções para os problemas que surgem no dia-a-dia infantil, a criança
desenvolve o raciocínio e entra em contato com a linguagem científica
desenvolvendo a curiosidade, levantando hipóteses e a capacidade de observação.
Com as crianças de zero a três anos o ambiente e as experiências devem
proporcionar descobertas do mundo e da cultura em que vivem, levando em conta a
representação de mundo que a criança traz consigo. O RCNEI (Brasil, 1998, v.3,
p.175) determina que as experiências proporcionadas às crianças de zero a três
anos devem ser organizadas para que desenvolvam as seguintes capacidades:
·
Explorar
o ambiente, para que possa se relacionar com pessoas, estabelecer contato com
pequenos animais, com plantas e com objetos diversos, manifestando curiosidade
e interesse.
Explorando
o mundo, o espaço, os objetos, interagindo com o meio e com as pessoas,
brincando e proporcionando experiências planejadas as crianças desenvolvem as
habilidades de investigação necessárias para um futuro estudo das Ciências.
O documento Orientações Curriculares
(São Paulo, 2007, p.98) afirma que os espaços de educação infantil devem ter
como propósito propor desafios à criança. Diz que “o propósito dos espaços de
educação infantil deve ser o de educar no sentido amplo do termo; desafiar as
crianças a pensar com imaginação, desenvolvendo a criatividade e propiciando
prazer. Afirma ainda que:
...conforme as crianças têm oportunidade de interagir com
o professor, com outras crianças e com o e meio natural, social e cultural,
elas podem, de um modo ativo, critico e lúdico, apropriar-se de conceitos,
idéias e mensagens que consolidam certas formas pensar. Assim propiciar-lhes o acesso a fontes
variadas de informações e de lazer, e a uma programação de características
plurais, são fatores fundamentais para a construção de noções que as ajudem a
entender o mundo como múltiplo, rico em culturas, em diferenças e em características
naturais e socioculturais.
Através das brincadeiras infantis e
interações que estabelecem as crianças se apropriam de conceitos e idéias,
exploram e investigam, estabelecem hipóteses e procuram solucionar os problemas
que surgem. Desta forma a criança vive
no seu dia-a-dia, de forma lúdica, o uso social das linguagens científicas.
Explorando a natureza e o mundo,
brincando, a criança desenvolve as habilidades necessárias para compreender o
uso social das diversas linguagens.
As crianças de zero a três anos
podem e devem entrar em contato com o uso social das múltiplas linguagens
dentro do seu espaço de referência.
4.
Centro de Educação Infantil – um ambiente de
letramento nas múltiplas linguagens.
Os
ambientes para as crianças de zero a três anos nos Centros de Educação Infantil
devem ser preparados para proporcionar conforto, segurança e aprendizagem para
as crianças. Os brinquedos devem estar ao alcance das crianças e os mesmos
devem ser escolhidos após cuidadoso planejamento por parte dos professores.
Também pode ser dividido em áreas de interesse onde cada área contemple uma ou
mais linguagens. A criança terá liberdade de explorar e brincar livremente no
seu espaço de referência. Segundo Moyles (2006, p. 137) “Quando é a criança que
faz as escolhas, a aprendizagem se torna uma atividade muito mais eficiente. A
autora apresenta o exemplo da “casa letrada”, uma experiência realizada com
crianças de quatro anos. Embora a casa letrada tenha sido usada com as crianças
maiores, importante é o conceito empregado. O uso social da leitura e da
escrita. Cada linguagem pode ser pensada da mesma forma.
Segundo
Moyles (2006, p. 153):
O grau
de facilidade ou dificuldade com que podem ser feitas e desenvolvidas conexões
entre idéias, sentimentos, objetos percebidos, meios e procedimentos é
significativamente influenciado pelo “ambiente” em que esses elementos
coexistem.
Criar
um ambiente pensado no letramento nas múltiplas linguagens é um grande desafio
para os professores de educação infantil. Moyles (2006, p.153) afirma que:
As
maneiras pelas quais as crianças percebem, pensam, falam sobre e são motivadas
a usar os materiais de seu entorno imediato são influenciadas pela maneira de o
adulto torná-los acessíveis e pelos valores neles investidos. [...]. Coisas familiares
colocadas em contextos desconhecidos e coisas desconhecidas colocadas em
contextos familiares são poderosos gatilhos para a liberação da energia
criativa.
Contextualizar a brincadeira das
crianças com objetos e situações do cotidiano, mantê-los acessíveis às crianças
permite uma gama maior de conexões cognitivas que promovem uma aprendizagem com
significado.
A
rotina das crianças deve ser planejada de forma a desenvolver a autonomia e a
exploração do ambiente e dos objetos lembrando que cada etapa vivenciada pelas
crianças de zero a três anos deve ser planejada com sua identidade própria,
identificando as particularidades de cada ciclo; é importante que o professor
tenha claro os objetivos para cada ciclo, sabendo o quê ensinar e o porquê; É
fundamental proporcionar experiências diversas e com regularidade às crianças
pequenas.
Vivências,
experiências, brincar, interação, imaginação, múltiplas linguagens, relações,
contextualização, autonomia, prazer, alegria, aprendizagem são proporcionados
às crianças quando pensamos em um ambiente letrado nas múltiplas linguagens.
O
propósito da educação infantil não é preparar para a alfabetização ou para o
Ensino Fundamental e sim iniciar o letramento nas múltiplas linguagens.
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